A legalização de construções existentes é um tema crítico em Portugal, especialmente diante da rigidez das normas urbanísticas e das consequências jurídicas e financeiras da não conformidade. Este guia aborda os passos essenciais para regularizar obras ilegais, os custos envolvidos, as expectativas burocráticas e os desafios práticos que os proprietários enfrentam.
O processo de legalização pode ser moroso, especialmente se houver necessidade de realizar obras ou corrigir irregularidades. Além de evitar sanções legais, a regularização valoriza o imóvel no mercado, permite acesso a financiamentos bancários e garante tranquilidade jurídica para proprietários.
ÍNDICE
ToggleO QUE É UMA CONSTRUÇÃO ILEGAL?
Uma construção é considerada clandestina / edificação ilegal, é quando foi erguida sem a devida licença de construção ou licença de utilização, ou quando não respeita as condições estabelecidas no alvará emitido pela câmara municipal. A partir de 13 de agosto de 1951, com a entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), a obtenção de licença de utilização tornou-se obrigatória para todas as construções. No entanto, muitas edificações foram erguidas sem o devido licenciamento de obras, gerando um passivo que ainda hoje precisa ser resolvido. Neste artigo, abordaremos o processo de regularização de construções clandestinas, os custos envolvidos e as expectativas burocráticas.
Assim as edificações ilegais podem ser:
Obras realizadas sem a devida licença municipal / comunicação
Obras realizadas em desconformidade com o projeto original aprovado
Edificações antigas não licenciadas (construções posteriores a 1951)
Necessidade de regularização após fiscalização (situações desconformes com a legislação em vigor e/ou divergências cadastrais como área construída maior que a declarada)
Alteração de uso sem autorização (usar a construção com uma função diferente da licenciada)
O artigo 102.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) estabelece o procedimento para a reposição da legalidade administrativa de uma operação urbanística sujeita a licença ou legalidade urbanística.
Geralmente, os requerentes justificam-se a execução de obras ilegais pelo desconhecimento da lei, informação errada fornecida pelo construtor, pelo sentido de direitos ilimitados sobre a propriedade, processos demorados nas autarquias e dificuldades económicas.
O QUE É A REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS OU REGULARIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO?
A regularização de imóveis ou a regularização do património é um processo legal e técnico, normalmente iniciado pelo proprietário do imóvel, com o intuito de poder adequar a situação urbanística de uma construção existente ou iniciada (edifício, casa, ou outro tipo de estrutura), sem que tenha obtido previamente a devida licença.
Os objectivos principais da legalização do imóvel são regularizar a situação ao tornar a construção ou o imóvel conforme a legislação, permitindo seu uso, venda, ou financiamento sem restrições; garantir segurança, assegurando que a estrutura e as instalações (elétricas, hidráulicas, contra incêndios etc.) atendem a padrões técnicos e de segurança e proteger direitos: Regularizar a titularidade do imóvel, evitando disputas judiciais ou penalidades (multas, embargo de obras, ou demolição).
Este processo é acompanhado por um arquiteto tecnicamente habilitado, que procede à instrução de todo o processo junto dos serviços da câmara municipal.
TIPOS DE ILEGALIDADE URBANÍSTICA
As construções clandestinas podem ser classificadas em categorias distintas, dependendo da natureza da infração:
Ilegalidade Material
Ocorre quando a obra, mesmo que seja uma obra isenta controlo prévio, viola normas técnicas ou de planeamento. Exemplos incluem anexos que excedem parâmetros urbanísticos (mesmo que não exceda 10m2 de área) ou construções próximas a linhas de água que interfiram com escoamentos de água, etc. Nesses casos, a regularização exige ajustes físicos na edificação para alinhar-se às normas vigentes. Se isso não for possível, a demolição pode ser a única solução.
Ilegalidade Formal
Refere-se à ausência de licença ou comunicação prévia, mesmo que a construção cumpra as normas técnicas. Por exemplo: uma varanda encerrada sem autorização, mas que respeita índices construtivos. A regularização aqui é viável mediante a obtenção retroativa do título necessário.
Ilegalidade Urbanística Mista
Combina infrações materiais e formais, como construir sem licença e violar o Plano Diretor Municipal (PDM). Esses casos são complexos e podem exigir tanto correções físicas quanto processos administrativos.
CATEGORIAS DE EDIFICAÇÕES ILEGAIS
Edifícios Integralmente Ilegais
Construídos sem qualquer licença, muitas vezes em terrenos não destinados à urbanização. Impactam infraestruturas públicas e a paisagem, exigindo intervenções profundas para legalização (como ajustes em redes de água ou esgoto).
Edifícios Semilegais por Ampliação
Expandidos além do projeto original aprovado. Comuns em zonas rurais e urbanas, incluem:
Anexos não licenciados: Garagens, telheiros ou espaços habitacionais adicionais.
Ampliações verticais: Pisos extras que comprometem ventilação e iluminação.
A regularização do património exige a apresentação de projetos atualizados e pagamento de taxas retroativas.
Edifícios Semilegais por Alteração Material
Modificações na fachada, cobertura ou estrutura sem autorização. Exemplo clássico: encerramento de varandas, que afeta o desempenho energético e a estética urbana.
Edifícios Semilegais por Alteração de Utilização
Mudança de uso não autorizada (ex.: transformar uma garagem em alojamento local). Requer nova licença de utilização e adequação às normas do novo uso.
PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES: PASSO A PASSO
Diagnóstico Inicial
Contrate um arquiteto para:
Verificar se a construção é anterior a 1951 (isenta de licença).
Identificar infrações materiais ou formais.
Analisar conformidade com o PDM e normas técnicas gerais e municipais.
O processo de regularização do património depende da situação de cada imóvel. As particularidades de cada imóvel, pode divergir e tem de se garantir que o imóvel esteja em conformidade com todas as exigências legais e regulamentares. O primeiro passo é identificar se a construção foi erguida antes ou depois de 1951 e se houve alterações posteriores. Para construções posteriores a 1951, é necessário verificar se existe algum pedido de licença em andamento ou se a construção foi totalmente clandestina.
Os processos de legalização de construções são também muitas vezes motivados peçle necessidade de realibilitar ou mesmo pela reconstrução de casa antiga.
Preparação de Documentação
Projetos atualizados (projeto de arquitetura, projetos de especialidades e coordenação de projetos)
Certidões do registo predial
Comprovativo de requerimento de licença (se aplicável).
Submissão à Câmara Municipal
O pedido de legalização deve incluir:
Relatório técnico justificando a conformidade
Pagamento de taxas municipais de apreciação (até 3000 €, dependendo do município)
Vistoria e Deliberação
A câmara realizará uma vistoria para validar a documentação e a obra. Se houver irregularidades, notificará o proprietário para correções.
Emissão da Licença
Após aprovação, a câmara emite a licença de utilização, permitindo a regularização cadastral e a transmissão do imóvel.
NORMAS LEGAIS E REGULAMENTARES EM VIGOR
Nos procedimentos de legalização de construções, conforme estabelece o artigo 67.º do RJUE “a validade das licenças, admissão da comunicação prévia ou autorizações de utilização das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60.º.”
Portanto, o conceito de tempus regit actum – formaliza que a validade dos atos administrativos ocorre com a sua confrontação com o quadro legal em vigor no momento da decisão da administração.
Assim, muitas vezes fica a ideia de que poder-se-á comprovar a data da construção da edificação sem licença e assumir os regulamentos em vigor nessa data. Fica, contudo, esclarecido, que do ponto de vista legal, a apreciação do projeto de arquitetura, de uma construção ilegal não pode gozar do direito anterior, das construções existentes, consagrado no artigo 60º do RJUE, porque esta proteção não é extensível a operações urbanísticas ilegais, até mesmo se à data da construção a mesma cumprisse todos os requisitos legais, conforme esclarece Inês Calor, UNL, 2013 RevCEDOUA.
CUSTOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES E RISCOS INERENTES
Os custos para legalizar uma construção clandestina podem variar significativamente, dependendo da complexidade do caso. Entre os principais gastos estão:
Projetos Técnicos: Arquitetura, estrutura, instalações elétricas e hidráulicas, entre outros.) 5000 € a 15.000 € (meramente indicativo, dependendo da complexidade, área, localização, etc).
Taxas Municipais: Incluem o custo do pedido de licença e eventuais taxas de vistoria. Até 3.000 €.
Taxas Urbanísticas: Valor por m2 de construção, varia de município para município.
Obras de Correção / regularização: Variam conforme as exigências (ex.: demolição parcial pode custar 10.000 €, mas meramente indicativo).
Coimas: A ocupação de edifícios ou frações autónomas sem licença é punível com coimas que podem variar entre 498,80 € e 99.759,58 € para pessoas singulares, e até 249.398,95 € para pessoas coletivas, conforme o artigo 98.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
Risco Principal: A legalização pode ser recusada se a obra violar normas irreparáveis (ex.: invasão de área pública). Nesses casos, a demolição total ou parcial é obrigatória.
CASOS ESPECIAIS DE LEGALIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES
a) Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI)
Para legalizar construções em AUGI – áreas urbanas de génese ilegal, é necessário um plano de reconversão aprovado pela câmara, que inclui:
Regularização de loteamentos.
Adaptação de infraestruturas (redes de água, esgoto).
Pagamento de taxas de urbanização retroativas.
b) Demolições Ilegais
Demolições não autorizadas em imóveis com valor patrimonial podem resultar em multas e obrigação de reconstrução, pelo que situações de reabilitação urbana são salvaguardadas. A câmara só ordena demolição como último recurso, geralmente em casos de risco público ou invasão de propriedade alheia.
PERGUNTAS FREQUENTES SOBRE LEGALIZAÇÕES DE CONSTRUÇÕES
Posso vender um imóvel semilegal?
Sim, mas o notário exigirá a licença da parte legal. A venda da parte ilegal só é possível após regularização. Muito embora, com o programa Mais Habitação é possível vender imóveis sem a respetiva licença de utilização.
Como legalizar um anexo habitado?
Importa referir de imediato que um anexo não tem uma função habitacional, pelo que tem apenas uma função de arrumos, garagem, etc, algo complementar a uma habitação. Para legalizar esta construção como área dependente, este terá de cumprir os regulamentos, tem de ser averiguada a sua localização, área de construção, altura da edificação, etc, situações que um arquiteto terá de avaliar para lhe poder dar o enquadramento da legalidade da edificação.
É possível legalizar sem obras?
Sim, se a construção já cumprir todas as normas. Basta obter a licença retroativa.
Quanto tempo demora o processo?
Entre 6 meses e 3 anos, dependendo da complexidade e da eficiência municipal.
Preciso pedir licença para edificações anteriores a 1951?
Para construções anteriores a 1951 não é necessária licença de utilização, desde que não tenham sido reconstruídas, ampliadas ou alteradas.
Numa legalização de construção é necessário projeto de estabilidade?
Depende de caso a caso e deve ser analisado pelo técnico que irá instruir o processo de legalização. Poderá, por vezes, ser pedida a isenção de apresentação de projeto de estabilidade, escavação e contenção periférica (ou de outras especialidades), devidamente fundamentado, mas sempre acompanhado de termo de responsabilidade, subscrito por técnico que possua habilitação para subscrever projetos, onde o técnico ateste quanto à segurança e solidez da obra, nos termos das disposições constantes do n.º 3 do artigo 5.º do RMUE – Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação.
Que documentação é necessária submeter para a legalização de construção ilegal?
No processo de legalização a documentação pode variar de caso para caso, contudo de um modo geral é necessário submeter para apreciação:
Requerimento próprio da Câmara Municipal
Projeto de arquitetura atualizado
Projetos de especialidades (se aplicável)
Levantamento topográfico (quando necessário)
Termo de responsabilidade do técnico autor do projeto
Cópia do título de propriedade do imóvel
Certidão da Conservatória do Registo Predial
Este artigo é um guia geral e não substitui a consulta a um profissional qualificado nem substitui consultoria jurídica ou técnica. Cada caso é único e pode exigir abordagens específicas.
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