Converter comércio em habitação – alteração de uso mais facilitada?

Converter comércio em habitação. Edifício em Loulé

Converter comércio em habitação é muito tentador, sendo que atualmente face à crise habitacional, o preço afeto ao uso habitacional é superior, de um modo geral ao de uma loja. O simplex urbanístico (Decreto-Lei 10/2024), promulgado para dar resposta à necessidade de aumentar a oferta de habitação em áreas urbanas, estabelece diretrizes claras para a conversão de espaços comerciais, como lojas e escritórios, em unidades habitacionais. Este decreto dentro de outras medidas, inclui alterações legislativas ao processo de converter comércio em habitação, situação que visa promover a reutilização de edifícios subutilizados e revitalizar áreas urbanas, ao mesmo tempo que oferece soluções para a crescente demanda por casas.

Assim, a solução de reconversão de espaços não utilizados, com usos, como muitas lojas, armazéns e escritórios, poderão tornar-se em habitação, sendo até uma forma de reaproveitar o edifício existente, as infraestruturas já construídas, de águas, de esgotos, de eletricidade e estrutura – pelo que em conceito sugere-se-nos uma atitude sustentável. Resta avaliar a capacidade desse imóvel em se transformar e oferecer as condições de habitabilidade necessárias e regulamentares.

A conversão de espaços comerciais em habitação permitirá, num curto espaço de tempo, adicionar mais habitações disponíveis no mercado, tanto no de arrendamento como para venda, o que permitirá dar resposta à grave crise habitacional que Portugal atravessa.

MAS É ASSIM TÃO SIMPLES PROMOVER A ALTERAÇÃO DE USO DE UMA LOJA OU SERVIÇOS PARA HABITAÇÃO?

Na verdade, o decreto incentiva a adaptação criativa dos espaços, permitindo aos antigos estabelecimentos comerciais, subaproveitados e muitos fechados, uma nova vida, a dinâmica habitacional. Por exemplo, uma antiga loja pode ser transformada num apartamento moderno, enquanto que um escritório pode se tornar num loft espaçoso. Isso permite uma diversificação na oferta habitacional, atendendo a diferentes necessidades e preferências dos moradores urbanos, mas perceber se o imóvel reúne as condições legais exigidas para cumprir a finalidade de habitação é o primeiro passo.

Importa referir que são espaços que originalmente promovem um uso logístico e comercial e nada habitacional, sendo que são muitas vezes, totalmente ausentes de privacidade necessária à afectação dede habitação. Assim muitros requerem alterações nas fachadas, o que em muitos casos é inevitável, o que se torna um dos desafios ao converter comércio em habitação - pois aí já carece de autorização dos condóminos.

Sabemos que já existem muitos espaços comerciais convertidos em espaços onde as pessoas habitam – que nem sempre cumprem com todos os requittos legais – mas relembramos que para que um imóvel seja legalmente utilizado para fins habitacionais - seja para habitação própria ou arrendamento – tem de formalizar o processo de alteração de uso para habitação.

CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIOS EM PROPRIEDADE HORIZONTAL

Uma das principais disposições do Decreto-Lei 10/2024 é a simplificação do processo de conversão, em imóveis em propriedade horizontal, pois reduz a burocracia e um pouco os custos associados ao processo de conversão, ao alterar o regime jurídico da propriedade horizontal, anulando a necessidade de autorização por parte da Assembleia de Condóminos para esta alteração de uso, sendo que antes era necessária a aprovação por unanimidade.

Por já não ser a alteração do uso da fração, mas por alteração à linha estética e ao arranjo arquitetónico do edifício, obriga que 2/3 dos condóminos se pronunciem favoravelmente.

Importa referir que esta situação acontece somente na alteração de uso, de comércio para habitação, ora se por via do cumprimento das legislações vigentes for necessário realizar obras que alterem as partes comuns (como por exemplo as fachadas, estrutura, entre outros aspetos) então, a autorização dos condóminos é necessária, pois irá intervir nas partes comuns.

Em resumo, o Decreto-Lei 10/2024 que rege o simplex urbanístico oferece uma abordagem abrangente e incentivadora em converter lojas e escritórios em habitação, visando não apenas aumentar a oferta de moradias, mas também revitalizar áreas urbanas e promover o desenvolvimento sustentável ao aproveitar edifícios existentes não usados enquanto se promove também a construção de moradias.

 

PRECISO ALTERAR O TÍTULO CONSTITUIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL?

Sim, após a conclusão da reconversão, somente de comércio para habitação, é necessário formalizar a alteração no título constitutivo Propriedade Horizontal e associar o uso de habitação à fração, por escritura pública ou documento particular autenticado (DPA), e tem de ser comunicado ao administrador do condomínio, “no prazo de 10 dias”, conforme artigo 1422.º-B do Código Civil.

Só assim o imóvel passa a ser legalmente utilizado para fins habitacionais, mas relembramos que esta alteração, é realizada unilateralmente pelo condómino da fração.

MAS QUE ASPETOS CONSIDERAR PARA CONVERTER COMÉRCIO EM HABITAÇÃO?

Ao converter lojas e escritórios em habitação, há vários aspectos importantes a considerar para garantir uma transformação bem-sucedida e dotada de condições de habitabilidade.

Relembramos que não se podem agravar incumprimentos existentes e muito menos criar incumprimentos novos, pelo que uma análise cuidada, técnica e legal é fundamental.

Para alterar a afetação de um imóvel em situações em que não houve obra ou após a realização de obras isentas de controlo prévio, é necessário obter uma nova autorização de utilização. Isso é feito para garantir que a utilização planeada se encontra de acordo com as normas legais e regulamentares e para verificar a adequação do edifício ou fração para o fim pretendido - habitação.

Assim tem de apresentar um pedido à Câmara Municipal, contendo diversos documentos, dependendo do procedimento admninistrativo em que se enquadra o pedido, mas pode necessitar de apresentar comprovativo de legitimidade do titular, extratos das plantas de ordenamento, plantas de localização, memória descritiva e justificativa, entre outros elementos.

Para o processo de conversão de comércio para habitação deve ter em conta:

Zonamento e Regulamentações Locais

Certifique-se de que a conversão está em conformidade com os regulamentos municipais com o zoneamento e outras regulamentações urbanísticas. Aqui importa consultar o Plano Diretor Municipal e ver se não se localiza numa zona que exclui o uso habitacional, consultar o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, que estabelece conceitos importantes em que novos fogos têm de cumprir, como compatibilidade de usos e atividade, local para estendal, provisão de estacionamento, entre outros aspetos;

Legislação geral aplicável

Mais uma vez é necessário estudar a viabilidade das condições existentes e se esta proporcionam o cumprimento das várias legislações aplicáveis, como o RGEU, como sejam condições de áreas mínimas, pé-direito, iluminação natural, no fundo prever as condições de habitabilidade que existam ou que sejam passíveis de introduzir por via de obras;

Viabilidade Estrutural

Avalie a estrutura do edifício para garantir que seja adequada para a habitação e considere se são necessárias quaisquer melhorias estruturais, para qualquer alteração estrutural ou sempre que se verifiquem danos deverá promover a elaboração de um estudo de avaliação de vulnerabilidade sísmica. Verifique se o edifício atende aos padrões de segurança exigidos para habitação, incluindo saídas de emergência, sistemas de detecção de incêndio e acesso para pessoas com mobilidade reduzida;

Iluminação Natural e Ventilação

A disposição dos compartimentos habitáveis deve maximizar a entrada de luz natural e a ventilação adequada, garantindo um ambiente saudável e confortável e regulamentar;

Isolamento Acústico

Considere medidas para reduzir o ruído proveniente de áreas adjacentes ou externas, garantindo a privacidade e o conforto dos moradores, pelo que uma análise e projeto de acústico serão necessários;

Eficiência Energética

Implementar medidas para garantir a eficiência energética da fração, como isolamento térmico, janelas de vidro duplo e sistemas de aquecimento e arrefecimento eficientes, promovendo imóveis nZEB;

Layout e Distribuição Espacial

Projetar o layout de uma habitação implica garantir determinados espaços e determinadas dimensões e áreas e converter comércio em habitação não fica isento de cumprir esses requisitos;

Acessibilidades

Garanta que o edifício seja acessível para pessoas com mobilidade reduzida, com rampas, elevadores e instalações sanitárias adequadas, parcelas e percursos acessíveis, conforme estipula a lei 163/2006.

COMO SABER SE É TUDO CUMPRIDO OU PASSÍVEL DE SER CONVERTIDO?

Para esta jornada tem de contratar um atelier de arquitetura que formaliza uma consultoria de viabilidade de alteração de uso. Será imprescindível providenciar a certidão da conservatória do registo predial do imóvel, a caderneta predial, o processo de obras que consta na Câmara Municipal, a licença de utilização existente e uma visita ao imóvel para serem avaliadas as condições existentes construídas.

Considerar estes aspectos garantirá que converter comércio em habitação é uma modificação bem-sucedida e proporciona espaços habitáveis.

Poderão existir adaptações ao projeto original do edifício, pode necessitar de adaptações estruturais e de infraestruturas para se adequar às normas de habitabilidade, o que implica em planeamento e investimento adicional.

Os custos de conversão, incluindo custos de projeto, obras, devem ser cuidadosamente considerados na análise de viabilidade, sobretudo se ainda estiver para adquirir o imóvel que ainda terá o uso de serviços/comércio. Os custos são variáveis e serão de acordo com o tamanho do imóvel, a complexidade das obras e os materiais utilizados.

 

Converter comércio em habitação. Obra

Foto: charlesdeluvio em unsplash

OS PROJETOS TÊM DE SER SUBMETIDOS NA CÂMARA MUNICIPAL?

Geralmente é necessário submeter os projetos de arquitetura e projetos de especialidades, para a conversão de lojas e escritórios em habitação, à Câmara municipal e/ou a outras entidades responsáveis pelo licenciamento, quando as mesmas implicam um procedimento admnistrativo com controlo prévio. Mas com as atualizações do DL 10/2024, importa definir se a intervenção se enquadra em controlo prévio ou não:

OBRAS SUJEITAS A CONTROLO PRÉVIO

Se as obras estão sujeitas a controlo prévio aplica-se o artigo 62.º-A do RJUE a utilização após operação urbanística sujeita a controlo prévio, depende da entrega à câmara municipal dos seguintes documentos:

"a) Termo de responsabilidade subscrito pelo diretor de obra ou pelo diretor de fiscalização de obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com o projeto;
b) As telas finais, mas apenas quando tenham existido alterações do projeto, devendo as mesmas estar devidamente assinaladas.

O edifício ou suas frações autónomas pode ser utilizado para a finalidade pretendida imediatamente após a submissão da documentação listada. A entrega da documentação não pode ser recusada nem indeferida, exceto se os documentos previstos no n.º 1 não tiverem sido remetidos, devendo nesse caso, o remetente ser notificado para remeter os documentos em falta."

SEM OPERAÇÃO URBANÍSTICA PRÉVIA

A alteração à utilização de edifícios sem operação urbanística prévia, fica estipulada no artigo 62.º-B do RJUE:

"1 - A alteração da utilização de edifício ou fração ou de alguma informação constante do título de utilização emitido não precedida de operação urbanística sujeita a controlo prévio, deve ser objeto de comunicação prévia com prazo.
2 - A comunicação prévia com prazo prevista no número anterior destina-se a:
a) Demonstrar e declarar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis; e
b) Demonstrar e declarar a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas."

RESULTANTE DE OBRAS ISENTAS DE CONTROLO PRÉVIO

A utilização de edifícios isentos de controlo prévio urbanístico, fica definida no artigo 62.º-C do RJUE:

"A utilização de novas edificações ou novas frações, na sequência de obras de construção isentas de controlo prévio por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º está sujeita a comunicação prévia com prazo nos termos do artigo anterior."

VAI TRANSFORMAR UMA LOJA EM HABITAÇÃO ?